terça-feira, 13 de outubro de 2009

Iyalode – Damas da Sociedade

Iyalode – Damas da Sociedade
(artigo publicado na Revista Orixás em setembro de 2007)

José Pedro da Silva Neto *
A mulher do candomblé esta na minha vida desde sempre. A minha bisavó, minha avó e minha mãe consangüínea, Iabace Olasedele de Obá (Sandra Regina da Silva). Aprendi a importância desta mulher forte, guerreira, doce, batalhadora e dedicada que vi desde pequeno no Ilê Axé Palepá Mariwo Sessu e em diversos outros ilês de São Paulo.

Está arraigado em mim um profundo sentimento de respeito e dedicação a estas mulheres.

Orixá come, veste, dança, ama, briga, sente falta como qualquer ser humano. Simples. Então orixá e igual ao ser humano? Não. Existe uma linha que divide nossos mundos, mas o humano depende do orixá e ele do humano.

Nas histórias dos nossos deuses, dentre inúmeros aprendizados, encontramos relações mutuas de afeto, de trabalho e cada um deles conhece seu limite, sempre tênue, mas conhece. Respeita e agradece. Além disso, entre si, fazem questão de serem lembrados. Eles possuem uma divisão social ética, não existem muros entre eles.

No nosso mundo o que mais existe são muros. Especialmente em São Paulo, ou em qualquer outra grande cidade, com o imediatismo, a valorização do indivíduo sobreposto à coletividade e a não possibilidade de planejamento, enfim, a modernidade faz o candomblé possuir cada vez mais diferenças internas contrapostas à falsa união vista pelos outros.

O candomblé não era uma religião baseada no imediatismo, o tempo das coisas acontecia da mesma maneira que uma árvore germina, cresce e dá frutos.

A coletividade era mais importante que o indivíduo, isso não quer dizer que não haja uma parte importante dedicada a individualidade concentrada no culto a Orí. Ao contrário do que muitos pensam, tudo no candomblé é planejado, podemos notar isto na estrutura de uma festa pública de saída de iaô, por exemplo, onde as vestimentas, cantigas, objetos simbólicos remetem as várias faces da seqüência iniciática, totalmente planejada.
Na atualidade, com a fragmentação das relações, os velhos do candomblé tornam-se iguais aos da sociedade abrangente, mais precisamente são estigmatizados, os filhos de santo vão embora e as mães de santo velhas, ficam sozinhas não tendo condições de continuar com seus terreiros, como antes.
Os muros crescem, entre o terreiro e a rua, entre a mãe de santo e seu filho. Em São Paulo já é comum os iniciados e devotos aparecerem somente em dia de festa pública.

Atualmente qual é a pessoa que pode ir todo dia após o trabalho dormir no terreiro ou quem, exercendo profissões como a de advogado ou médico, pode raspar sua cabeça e ir trabalhar no escritório, ir ao fórum e ao hospital?

Antigamente é o tempo do sem-nome onde o mais velho falava sem relógio e reunia seus filhos para lhes contar os feitos dos ancestrais. Este nosso tempo, dos homens refeitos a toda hora, os mais velhos reúnem-se entre si e contam sobre os feitos de seus filhos de santo.

Com estas inquietações, trazidas principalmente pelas velhas egbomis e mães de santo e com o aprendizado da prática diária do candomblé entrei em 1999 no curso de ciências sociais da PUC – SP e quase fiquei louco. Toda minha cultura afro-brasileira, de terreiro, era bem pouco valorizada. E um dos meus objetivos era tentar derrubar ou diminuir o buraco, o muro, entre o terreiro e a rua.

Na universidade diziam que o aprendido no candomblé não valia nada naquele espaço. Como resolver isso? Deixar o vivido para trás, esconder meus fios de conta, deixar de usar o pano de amarrar a cabeça por estar em preceito.

O caminho escolhido foi entender, conceituar e contextualizar o candomblé não só como religião, mas também como cultura, de maneira alargada. Mesmo que algumas vezes só na superficialidade, mas sempre transparente para os outros. Apresentar, mostrar nossa cultura da maneira mais clara possível, mesmo que um fio de água. Porque o que adianta ver um gigantesco rio se ele, ao olhar do outro, é pesado e turvo.

Em 2000 a Profª. Drª. Teresinha Bernardo, que havia visitado meu ilê anos atrás, me convidou para participar de uma pesquisa sua intitulada A Religião da Diáspora Negra – Continuidades e Rupturas. Durante dois anos pesquisamos por meio do recurso da memória as permanências e continuidades de alguns terreiros mais antigos de São Paulo. Pesquisa esta que recebeu prêmio do CEPE – Cnpq como a melhor da PUC – SP na área de ciências humanas - antropologia.

Além de ter o privilégio de aprender com a Profª. Teresinha, iniciada e professora de verdade que abriu meus jovens olhos viciados e céticos, conheci e me tornei amigo da Mãe Manaundê (Julita Lima da Silva) filha de santo de Nãna de Aracajú e dirigente do Terreiro de Santa Bárbara no bairro da Vila Brasilândia, o mais antigo de São Paulo que se tem notícias, Mãe Ada de Omolu (Adamaris Sá de Oliveira) dirigente do terreiro de nação efan Ilê Oluaie Omode Okurin Ifon no bairro da Vila Mazzei, Mãe Juju de Oxum (Juverginia Cerqueira de Amorim) filha de santo da Mãe Menininha do Gantois e filha consangüínea de Nezinho de Muritiba (Manoel Cerqueira de Amrim) e dirigente do Ilê Maro Ketu Ase Oxum no bairro do Jd. Iva, Mãe Ana do Ogum, Mãe Wanda de Oxum (Wanda de Oliveira Ferreira) filha consangüínea de Mãe Izabel Kotessu, filha de santo de João da Gouméia e dirigente do Ilê Iya Mi Osum Muiya no bairro da Casa Verde, Mãe Kassarandê, Mãe Sylvia de Oxalá (Sylvia de Souza Egydio) sobrinha de Caio de Xangô (Caio Egydio de Souza Aranha) e dirigente do Ilê Aché Obá no bairro do Jabaquara.

Nos encontramos várias vezes, a maioria delas fora dos dias de festa pública, passávamos o dia inteiro conversando, ou melhor, elas falavam e eu só escutava. As histórias de vida foram coletadas, o trabalho de iniciação cientifica foi concluído em junho de 2002. Como divulgar as etnografias? Como fazer as histórias das Iyalodes chegarem aos olhos da maioria das pessoas?

Para abrir rachaduras nos muros, ou deixa-los mais transparentes organizei exposições fotográficas, fiz consultorias para grupos culturais afro-brasileiros, ministrei pequenas palestras e aulas sobre o tema, mas era pouco.

Resolvi então construir um documentário, um livro, uma exposição, um cd. A idéia estava ficando cara demais, então fiquei com o documentário intitulado Iyalode – Damas da Sociedade. Com o projeto pronto e aprovado em leis de incentivo passamos três anos em busca de patrocínio, mas o tema ainda é visto com certo preconceito. Apesar de existirem algumas leis de incentivo, prêmios, concursos é muito difícil fazer documentário no Brasil, porque o patrocínio é geralmente dado para os produtores e diretores consagrados. O documentário é muito pouco valorizado pelo público brasileiro, eles são exibidos em canais pagos e circuitos restritos de cinema.

Em 2005, exatamente 5 anos após o inicio da pesquisa, recebi o Iº Prêmio Palmares de Comunicação da Fundação Palmares do Ministério da Cultura para um documentário de 15 minutos e a Rede STV co-produziu a versão de 52 minutos, ambos produzidos pela Pólo de Imagem / Pacto Audiovisual.

Iyalode simplesmente quer mostrar o cotidiano das mães de santo, que elas amam, odeiam, aconselham, cuidam, cozinham, enfim são também pessoas comuns, mas que concentram, guardam e distribuem grande parte da cultura negra ressignificada neste país.

Estas sacerdotisas representam todas as outras. Iyalode quer voar, quer nadar livremente, cantar e falar para quebrar os preconceitos raciais e religiosos. Iyalode quer convidar a todos para uma maior valorização da cultura negra dos candomblés paulistas sempre calcados na força da mulher negra.

Um dos elementos mais importantes do candomblé é o poder feminino que segundo mãe Manaundê tem como causa o fato da “mulher tem mais axé, porque ela tem mais dignidade pela vida espiritual”. Nas palavras de outra mãe de santo, “a sensibilidade da mulher é muito grande. Só a mulher pode parir. O iaô é um filho, há a necessidade que seja mulher”. Sobre isso Teresinha Bernardo diz: “na verdade, a mulher simboliza a Terra-Mãe, portanto representa a continuidade (...)”, continuidade sacerdotal, melhor dizendo, sucessão que ocorre de mulher para mulher. Ainda no livro Memória em Branco e Preto ela diz: “as relações da mulher negra no Brasil remonta sua historia na África”, portanto, esta autonomia da mulher no candomblé vem da África, passa pela colonização onde a mulher negra compra a alforria de seu companheiro, passa pela Lei do Ventre Livre onde só a mulher e seus filhos se constituíam como família e remonta hoje no candomblé.

Alguns muros foram ultrapassados, nosso documentário foi exibido nos terreiros de Mãe Manaundê que havia falecido, mas deixou Mãe Pulquéria como sua sucessora, de Mãe Ada, de Mãe Juju e de Mãe Sessu, minha avó de santo que apesar de não fazer parte da pesquisa original foi para o documentário. Exibimos no Museu Afro-Brasil, no Cine Sesc, Sesc Vila Mariana, na Rede STV, na TV Nacional, no Cine UFSCar, na TV Cultura, na TVE do Rio além de seleções e exibições na 19ª Mostra do Audiovisual Paulista, 12ª Vitória Cine Vídeo - ES, 13º Mostra de Cinema e Vídeo de Cuiabá, no Festival Internacional de Cinema Feminino 2006 - RJ, 11ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico e 4ª Festival du Film Panafrican – Cannes – França.

Um documentário feito para nós, filhos de santo, e para os que não são. Uma idéia para que todos nós não tenhamos vergonha, nem medo de assumir que somos do candomblé.

Mãe Pulquéria
“Ser mãe de santo? É o mesmo que a gente ser mãe dos filhos que teve e eu acho que com mais intensidade, porque a gente cria os iaôs dentro do roncó, a gente passa ali 21 dias criando, rezando maionga de manhã, não é isso, então a gente se apega mais do que um filho. As vezes eu não penso em dar uma roupa para um filho e sim fazer um ebó no filho que precise de santo.”

Mãe Sesu
“Ser mãe de santo é ser responsável, integra e com força porque é difícil conduzir um filho que nasce de você imagina um filho de santo que esta nascendo para uma religião.”

Mãe Juju
“A gente sempre precisa de uma mãe, a gente nunca fala: “Eu não preciso da minha mãe”, “Precisa, meu filho”, um filho sempre precisa da sua mãe. Uma palavra, um sorriso, uma benção, um carinho.”

Mãe Ada
“E mãe é uma só, pai pode ser qualquer um, mas mãe é uma só.”

* José Pedro da Silva Neto é ogã alabê do Ilê Axé Palepá Mariwo Sesu, graduado em Ciências Sociais na PUC – SP, pesquisador das religiões afro-brasileiras recebeu prêmio do Cnpq em 2001 pela pesquisa Religiões da Diáspora Negra: Continuidades e Rupturas, orientado pela Profª. Drª. Teresinha Bernardo, como melhor pesquisa da PUC – SP na área de antropologia, apresentou trabalhos e conferiu palestras em diversas instituições educacionais e culturais como: SBPC, PUC – SP, Universidade Cândido Mendes – RJ, SESC – SP, Associação Pallas Athena, Universidade de Música Tom Jobim, NAE Zona Leste. É sócio da Campomare Produções, 1º secretário do Fórum Permanente para as Culturas Populares e Assistente de Programação Cultural da Fundação Tide Azevedo Setúbal.

Fez consultorias para diversos grupos como: Grupo Okun de Cultura Afro-Brasileira, Sociedade Brasileira de Cultura e Arte Negra - Bloco Afro Oriashé, Bloco Afro Ilú Obá de Min, Cia Rosário de Ébano.

Organizou e montou diversas exposições como: Iyabas – As grandes Mães Afro-Brasileiras aberta ao público na Associação Cachuera! e no CEU Aricanduva, Acaçá – Onde Tudo Começou aberta ao público no Acervo da Memória e do Viver Afro-Brasileiro – SMC, Casa de Cultura de Interlagos – SMC, Casa de Cultura do Butantã –SMC, Religiosidades Afro-Brasileiras aberta ao público no Espaço Cultural Tendal da Lapa – SMC e Casa de Cultura da Penha, Maraca-Tú aberta ao público na Casa do Sítio da Ressaca.

Como documentarista recebeu o 1º Prêmio Palmares de Comunicação – MINC pelo documentário Iyalode – Damas da Sociedade exibido na Rede Sesc Senac, TVE Brasil, no Cine Sesc, no Museu Afro Brasil, no Sesc Vila Mariana, na TV Cultura.

Foi coordenador do Acervo da Memória e do Viver Afro-Brasileiro – Centro Cultural do Jabaquara da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo de 2003 a 2005 e membro representante da SMC no Conselho Municipal de Cultura na Comissão Municipal de Instituições da Sociedade Civil e Movimentos Sociais em 2004.

sábado, 12 de setembro de 2009

domingo, 28 de setembro de 2008

Festa Junina: Traço Forte de Nossa Cultura

Texto publicado no Jornal A Gazeta Mercantil - SP.
Festa Junina: traço forte de nossa Cultura

Comemorações não são apenas marcadas por referências cristãs européias
Uma comunidade pode ser identificada por um conjunto particular de elementos. Dentre eles, as festas populares são os que mais revelam e mantêm vivas as características de uma localidade, de um povo. Aproxima-se a comemoração daquela que, no caso brasileiro, é a manifestação popular que melhor representa nossos valores e tradições: a Festa Junina.
Entretanto, embevecidos por halloweens e oktuber fests, ultimamente não nos damos conta dos símbolos e signos entrelaçados nas comemorações juninas. Eles não nos tornam melhores nem piores que outras sociedades, mas nos diferenciam, nos dão identidade e marcam a nossa formação como povo brasileiro.
Seria diferente se fôssemos europeus. Em diversos países da Europa as festas do mês de junho têm origem ancestral. Elas vêm da antiga comemoração do solstício de verão, na qual o Sol e suas atribuições de calor, energia e luz viabilizam a vida, tanto para os homens quanto para as plantas. Tanto é assim que ainda hoje em Portugal, França, Irlanda, nos países nórdicos e dos países do leste europeu a comemoração é realizada, sendo atrelada a diferentes culturas – pagãs, católicas, ortodoxas e protestantes. É na Europa que a fogueira, um ritual ancestral, é cristianizada e transforma-se num sinal do nascimento de São João.
No Brasil, como é comum levarmos em consideração apenas os aspectos predominantes da cultura do colonizador, deixando à margem os sentidos e proposições das culturas ameríndias e africanas, a Festa Junina é identificada como uma celebração trazida pelos portugueses católicos para louvarem São João.
Assim, a maioria dos estudiosos identifica as comemorações juninas como nascidas exclusivamente na Europa e protagonizadas por santos cristãos. Em vista disso, os significados, especialmente da fogueira e do mastro, são atribuídos somente aos símbolos portugueses, que nas comemorações do mês de junho costumam erguer um mastro para festejar os santos populares – São João, São Pedro e Santo Antônio.
Entretanto, essa é apenas uma das influências de outras culturas que recebemos. Além desse sentido, no nordeste brasileiro, principalmente, as festas de junho têm origem também na colheita dos alimentos, onde as comunidades se reuniam para comungarem a abundancia dos vegetais e cereais – principalmente o milho – ou para pedirem chuva para as plantações.
Partindo da antiga crença de que somente por meio do domínio sobre o fogo é que o homem pode transformar seus alimentos, cozinhar, fazer o milho virar pamonha, é que, também em junho, milhares de afro-brasileiros se reúnem em torno da chamada fogueira de Xangô, festa onde as atribuições do fogo e sua importância civilizadora são comemoradas. Não é a toa que Xangô, o deus do fogo, é sincretizado com São João e São Pedro.
Nesta mesma ocasião é erguido um mastro – um poste memorial onde os ancestrais são louvados. Sua função simbólica é rememorar o nascimento do mundo. O mastro representa o centro do mundo, a primeira árvore.
Misture-se a tudo isso os símbolos da cultura caipira, termo que os índios do interior de São Paulo deram a primeira miscigenação com o branco. A palavra Kaai-pira na língua tupi significa o que vive afastado, o cortador de mato, referência às roças de subsistência, principalmente de mandioca, milho e feijão. Mais adiante, caipira também passou a ser utilizado como uma designação genérica dos habitantes do interior do Estado de São Paulo.
Por todos esses sentidos e símbolos, as festas juninas brasileiras não podem ser tratadas simplesmente como espetáculos, sem conteúdo significante.
A cultura resiste e persiste. Diversas festas realizadas no mês de junho procuram apresentar ou vitalizar esses sentidos e significados das festas juninas tradicionais. Um exemplo, pequeno, mas emblemático por ser realizado num grande centro urbano como São Paulo, é 2º Encontro Caipira do CDC Tide Setubal, realizado com o apoio da Fundação Tide Setubal. Pelo segundo ano consecutivo a comunidade de São Miguel Paulista, extremo leste da capital, terá a oportunidade de festejar os sabores das comidas típicas da culinária caipira e do nordeste brasileiro ao som e à luz de manifestações da nossa cultura, como a catira, congada, samba de roda, fandango de chilenas, forró e banda de pífanos.
O objetivo é apresentar um panorama da cultura que formou e forma o povo paulista e brasileiro, com seus fundamentos do processo de desenvolvimento socioeconômico e cultural através das múltiplas manifestações – danças, exposições, comidas, músicas, artesanato.
Abrir mão da diversidade presente nas culturas da cidade é empobrecer o desenvolvimento humano. Nessa noção de cultura são levadas em conta as dinâmicas socioculturais e a rica diversidade da cidade de São Paulo e do Brasil. O fazer/saber e, mais que isso, o saber sobre os fazeres culturais que crie um sentimento de pertença e sociabilidades que promovam o diálogo em toda cidade e esta com o resto do país. A cidade e a cultura não podem ser reduzidas a simples espetáculos ou a eventos. A cidade é o centro onde a cultura acontece e é vivida. Devemos compreendê-la como um cenário do conhecimento e do reconhecimento da diversidade, não apenas da informação, do evento e do desconhecimento. Deste modo, entendemos que a cultura não basta ser vista, ela terá que ser reconhecida nas suas diversas dimensões. Todos estão convidados para saborear essa festa.

Tião Soares, mestre em educação, é coordenador de cultura da Fundação Tide Setúbal e Diretor do Fórum Permanente para as Culturas Populares.

Pedro Neto, cientista social, é assistente de projetos da Fundação Tide Setúbal e Diretor do Fórum Permanente para as Culturas Populares.

Princípios Norteadores

Já que o lugar ocupado por um grupo não é como um quadro negro sobre o qual escrevemos, depois apagamos os números e figuras, se faz necessário e ético falar da construção da Etu Coquem Produções.

Constituímos uma empresa que nasceu por conta do debate freqüente das questões referentes a cultura de matriz afro-brasileira, constitui um espaço genitor e gerador de propostas e questionamentos sobre uma produção cultural complexa, de difícil definição, mais difícil ainda seu compartilhamento com limites definidos e delimitados.

As culturas afro-brasileiras, historicamente, sofreram por redutivismos. O tempo, os preconceitos e as necessidades do capital fizeram com que as especificidades desta cultura fossem sobrepostas por definições culturais hegemônicas.

Neste sentido, não buscamos uma separação no debate das culturas, do mercado, mas sim indicar e qualificar neste debate as particularidades das identidades ético-raciais afro-brasileiras.

Nas generalizações esquecemos a importância dos fundadores. O pertencimento étnico-racial negro fica diluído. Por isso, ETU, pássaro mitológico ancestral africano. A primeira iniciada, que teve suas penas negras pintadas com pontinhos brancos, vermelhos e azuis, ganhou uma coroa foi chamada desde então de COQUEM. Neste dinamismo, ciscou e bateu, bateu suas assas em um montinho bem pequeno de terra até transformá-la na Terra, que pisamos até hoje.

A etnicidade não é vazia de conteúdo cultural, mas ela nunca é também a simples expressão de uma cultura já pronta. Ela implica sempre em um processo de seleção de traços culturais dos quais os atores se apoderam para transformá-los em critérios de identificação com um grupo étnico. Se neste processo forem esquecidas as identidades afro-brasileiras, o tempo e o espaço fará com que as generalizações subjuguem nossas identidades.

Nos orientamos em uma produção cultural afro-brasileira qualificada, com sentidos para os signos e símbolos com uma áurea de filiação. A dança, a música, o canto, as artes plásticas e visuais, sempre juntas.

Na co-relação entre o tempo e o espaço, continuidade e ruptura, tradição e modernidade, sem hiatos, é que queremos debater, fomentar, propor, promover as questões e contribuições das culturas afro-brasileiras em um debate mais amplo, o da cultura.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

“Entre as leis que regem as sociedades humanas há uma que parece ser mais precisa e clara que todas as outras. Para que os homens permaneçam ou se tornem civilizados, é preciso que a arte de se associarem cresça e melhore na mesma proporção em que aumenta a igualdade de condições”.

Tocqueville