domingo, 28 de setembro de 2008

Festa Junina: Traço Forte de Nossa Cultura

Texto publicado no Jornal A Gazeta Mercantil - SP.
Festa Junina: traço forte de nossa Cultura

Comemorações não são apenas marcadas por referências cristãs européias
Uma comunidade pode ser identificada por um conjunto particular de elementos. Dentre eles, as festas populares são os que mais revelam e mantêm vivas as características de uma localidade, de um povo. Aproxima-se a comemoração daquela que, no caso brasileiro, é a manifestação popular que melhor representa nossos valores e tradições: a Festa Junina.
Entretanto, embevecidos por halloweens e oktuber fests, ultimamente não nos damos conta dos símbolos e signos entrelaçados nas comemorações juninas. Eles não nos tornam melhores nem piores que outras sociedades, mas nos diferenciam, nos dão identidade e marcam a nossa formação como povo brasileiro.
Seria diferente se fôssemos europeus. Em diversos países da Europa as festas do mês de junho têm origem ancestral. Elas vêm da antiga comemoração do solstício de verão, na qual o Sol e suas atribuições de calor, energia e luz viabilizam a vida, tanto para os homens quanto para as plantas. Tanto é assim que ainda hoje em Portugal, França, Irlanda, nos países nórdicos e dos países do leste europeu a comemoração é realizada, sendo atrelada a diferentes culturas – pagãs, católicas, ortodoxas e protestantes. É na Europa que a fogueira, um ritual ancestral, é cristianizada e transforma-se num sinal do nascimento de São João.
No Brasil, como é comum levarmos em consideração apenas os aspectos predominantes da cultura do colonizador, deixando à margem os sentidos e proposições das culturas ameríndias e africanas, a Festa Junina é identificada como uma celebração trazida pelos portugueses católicos para louvarem São João.
Assim, a maioria dos estudiosos identifica as comemorações juninas como nascidas exclusivamente na Europa e protagonizadas por santos cristãos. Em vista disso, os significados, especialmente da fogueira e do mastro, são atribuídos somente aos símbolos portugueses, que nas comemorações do mês de junho costumam erguer um mastro para festejar os santos populares – São João, São Pedro e Santo Antônio.
Entretanto, essa é apenas uma das influências de outras culturas que recebemos. Além desse sentido, no nordeste brasileiro, principalmente, as festas de junho têm origem também na colheita dos alimentos, onde as comunidades se reuniam para comungarem a abundancia dos vegetais e cereais – principalmente o milho – ou para pedirem chuva para as plantações.
Partindo da antiga crença de que somente por meio do domínio sobre o fogo é que o homem pode transformar seus alimentos, cozinhar, fazer o milho virar pamonha, é que, também em junho, milhares de afro-brasileiros se reúnem em torno da chamada fogueira de Xangô, festa onde as atribuições do fogo e sua importância civilizadora são comemoradas. Não é a toa que Xangô, o deus do fogo, é sincretizado com São João e São Pedro.
Nesta mesma ocasião é erguido um mastro – um poste memorial onde os ancestrais são louvados. Sua função simbólica é rememorar o nascimento do mundo. O mastro representa o centro do mundo, a primeira árvore.
Misture-se a tudo isso os símbolos da cultura caipira, termo que os índios do interior de São Paulo deram a primeira miscigenação com o branco. A palavra Kaai-pira na língua tupi significa o que vive afastado, o cortador de mato, referência às roças de subsistência, principalmente de mandioca, milho e feijão. Mais adiante, caipira também passou a ser utilizado como uma designação genérica dos habitantes do interior do Estado de São Paulo.
Por todos esses sentidos e símbolos, as festas juninas brasileiras não podem ser tratadas simplesmente como espetáculos, sem conteúdo significante.
A cultura resiste e persiste. Diversas festas realizadas no mês de junho procuram apresentar ou vitalizar esses sentidos e significados das festas juninas tradicionais. Um exemplo, pequeno, mas emblemático por ser realizado num grande centro urbano como São Paulo, é 2º Encontro Caipira do CDC Tide Setubal, realizado com o apoio da Fundação Tide Setubal. Pelo segundo ano consecutivo a comunidade de São Miguel Paulista, extremo leste da capital, terá a oportunidade de festejar os sabores das comidas típicas da culinária caipira e do nordeste brasileiro ao som e à luz de manifestações da nossa cultura, como a catira, congada, samba de roda, fandango de chilenas, forró e banda de pífanos.
O objetivo é apresentar um panorama da cultura que formou e forma o povo paulista e brasileiro, com seus fundamentos do processo de desenvolvimento socioeconômico e cultural através das múltiplas manifestações – danças, exposições, comidas, músicas, artesanato.
Abrir mão da diversidade presente nas culturas da cidade é empobrecer o desenvolvimento humano. Nessa noção de cultura são levadas em conta as dinâmicas socioculturais e a rica diversidade da cidade de São Paulo e do Brasil. O fazer/saber e, mais que isso, o saber sobre os fazeres culturais que crie um sentimento de pertença e sociabilidades que promovam o diálogo em toda cidade e esta com o resto do país. A cidade e a cultura não podem ser reduzidas a simples espetáculos ou a eventos. A cidade é o centro onde a cultura acontece e é vivida. Devemos compreendê-la como um cenário do conhecimento e do reconhecimento da diversidade, não apenas da informação, do evento e do desconhecimento. Deste modo, entendemos que a cultura não basta ser vista, ela terá que ser reconhecida nas suas diversas dimensões. Todos estão convidados para saborear essa festa.

Tião Soares, mestre em educação, é coordenador de cultura da Fundação Tide Setúbal e Diretor do Fórum Permanente para as Culturas Populares.

Pedro Neto, cientista social, é assistente de projetos da Fundação Tide Setúbal e Diretor do Fórum Permanente para as Culturas Populares.

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